CRÔNICAS DE PANDEMIA E PANDEMÔNIO

De imorredouras esperanças, utopias ressignificadas, e da necessidade de lideranças fortes e carismáticas para atravessar o deserto do cinismo, ou, salve quem voltou para bater o tambor da esperança!

No mundo todo parece haver uma crise de liderança ao tempo em que, de modo aparentemente paradoxal, parece se fazer presente´uma miríade de líderes pontuais e momentâneos na cena mundial. Uma série de fatores deve contribuir para que os grandes nomes tenham sido ou apagados ou postos em dúvida, com a credibilidade ameaçada ou em suspenso. Basta imaginar como o Sistema, como um todo, trata quem pode ou deseja pôr em xeque os mecanismos de controle e dominação, o arranjo que sustenta a “ordem natural das coisas”: de escândalos sexuais, a denúncias de corrupção na vida política, às fraquezas pessoais e familiares de líderes que poderiam se tornar incômodos.

Até que tudo se esclareça, Sísifo retorna ao sopé da montanha… ad infinitum… (Lembro aqui de Kadhafi, incensado por décadas pelas potências ocidentais e, que ao acenar com a criação de uma Federação dos Países Africanos que poderia pôr em risco o controle do petróleo, foi tornado, repentinamente, “tarado sexual” ( manteria um harém de “mulheres escravizadas”) além de“corrupto”,“ditador”“sanguinário”).

O mesmo se daria com Sadham Husseiin, elevado ao poder pelas mesmas potências que depois o demonizariam. A eliminação destes dois líderes da cena política da Líbia e do Iraque iria levar ao afundamento de suas nações com genocídios cruéis e sem reação da comunidade internacional. O sistema a tudo  assiste e concorda, desde que não comprometa a “ordem natural das coisas”. O mesmo poderia ter acontecido com a Síria, caso Bashar Al Assad não tivesse negociado sabiamente com outros impérios, principalmente com a Rússia que o apoiou ostentiva e militarmente,e com a China que,como outro bom rapace silencioso,de longe,espreita e age…

Também na Europa outras lideranças iriam ser abaladas ou cerceadas, como foi o caso com Dominique Strauss-Khan que, juntamente com outros representantes do mundo econômico, inclusive do brasileiro Paulo Nogueira Batista, tentariam propor mudanças na estrutura e no funcionamento das regras do Fundo Monetário Internacional: sua liderança seria eliminada ante a acusação e prévia condenação de um suposto estupro.

No mundo dos partidos políticos, a cooptação, ou a pressão ou o sufocamento de seus líderes que chegaram ao poder pelo voto logo não tardariam: basta lembrar a coligação grega denominada Syriza e que seria eleita majoritariamente para o governo grego: a “banca internacional” logo mandaria seu recado: ou se submetem às regras, ou o estrangulamento financeiro e econômico. Em outras partes do mundo europeu não seria diferente. As representações políticas seriam ou defenestradas até a perda da credibilidade, ou simplesmente destituídas do poder.

Assim como na África, com Kadhafi e na Ásia com Bashar Al Asad, o mesmo se dá na América Latina, bastando apenas que os líderes políticos ousem desejar dar prosseguimento a suas políticas de inclusão social, minorando o sofrimento da maioria da população, ampliando o papel do Estado. Toda uma guerra híbrida será desencadeada: No Brasil, da fortuna do filho de Lula (seria dono da FRIBOU, da OI e de Deus sabe mais quais empresas milionárias!) à “mamadeira de piroca”, da “corrupção generalizada” à “doutrinação de crianças nas escolas”, um bombardeio incessante seria desencadeado até a prisão de Lula e o golpe contra Dilma. Seguido pelas perseguições a Rafael Correa, no Equador, à campanha massiva contra Chávez e depois contra Maduro (“ditadores” escolhidos livremente por eleições diretas e rotineiras na Venezuela!), com Cristina Kirschner (que não foi presa por ter sido eleita senadora) vice-presidente eleita. Agora, com Evo Morales sofendo um golpe de estado…e o ostensivo ódio ao indígena, que é pobre em sua grande maioria.

No entanto, que não se pense que ofuscadas estas grandes lideranças, outros nomes não estejam atuando na cena política: bastalembrar,no Brasil, de nomes ainda com pouca penetração nas fronteiras férreas da mídia convencional, mas que despontam em suas regiões: Rui Costa e Jacques Wagner,da Bahia, nomes lembrados pelo próprio Lula e com trânsito livre em outros partidos aliados. Em cada Estado brasileiro outras lideranças serão encontradas. Dentro e fora do PT .Ai estão, na mídia nacional,  os  nomes  de  Freixo,  Sônia  Guajajara,  Manuela D’Ávila,Gustavo Boulos, Fernando Haddad, Paulo Câmara, Camilo Santana,Fátima Bezerra, Wellington Dias, e muitos outros e outras em outros Estados e cidades e pequenos  povoados…

Claro que nenhum banco ou associação de banqueiros jamais iriam publicamente derrubar governos ou eliminar lideranças: mas o “Mercado” tem seus porta vozes, seus gerentes,seus capitães do mato, seus professores, seu sistema jurídico, seus jornalistas e comentaristas, financiados, alguns, livremente prestando serviços, outros, e que todos juntos, fazem uma frente que se encarrega de todo o trabalho sujo “ de limpar as latrinas”, de “deixar o caminho livre” para a ampla e irrestrita passagem do neoliberalismo e seus programas de exclusão social, de indiferença ao sofrimento humano, de condenação dos pobres pela pobreza, responsabilizando as vítimas pelas agressões sofridas e impostas por um cruel processo de “naturalização” da miséria e da violência. Na defesa deste projeto outras lideranças também são criadas, outras defenestradas, outras incensadas, mesmo se provisoriamente.

No entanto, apesar de toda a guerra híbrida, de toda a campanha midiática difamatória, da construção bem feita e bem tecida da narrativa da “corrupção” do PT e de Lula, o PT e Lula ressurgem das cinzas onde tentaram cobri-los até a última eleição presidencial.

Com exceção talvez de um Ciro Gomes que necessita – condição sine qua non segundo ele – da eliminação da figura do Lula para que pudesse assumir um protagonismo -que ele deseja mas  não sabe e não pode construir!- não se imagina a construção de um projeto de inclusão social, com a necessária e esperada – pela maioria- criação de uma coalizão de partidos, num leque amplo e que possibilite a governabilidade, sem uma liderança forte, até mesmo carismática. E este nome, no momento, se chama Lula. O único, no momento, capaz de construir um arco de alianças que proponha a garantia de um pacto de civilização ora ameaçado.

Não importa que outros adjetivos queiram mimoseá-lo: “caudilho”, “malandro” “esperto”, … ad nauseam… Lula inspira grande parte da juventude e de quem não teme acreditar em utopias concretas, em projetos que podem e que só devem ser construídos coletivamente, mas que precisam de uma liderança capaz de animar e ativar energias positivas e amorosas, como nos mostra a filosofia de pensadores como Martin Buber, Ernst Bloch, Ernst Fromm, Jean-Paul Sartre, Enrique Dussel, Leonardo Boff, dentre outros, sem falar no mundo das Artes, na Literatura, em particular.

É importante observar que, desde a Queda do Muro de Berlim, com a propagação do chamado fim da História, -outra grande narrativa construída e difundida pelo Sistema !- que grande parte da intelectualidade ficou temerosa de utilizar e pensar conceitos que permanecem vivos e ativos no cenário mundial, no campo epistemológico, político, social e filosófico: utopia, é um deles.

Mas, findo o fim da História ( a História não apenas reaparece em todo seu peso, mas traz consigo outras Histórias que estavam escondidas ou silenciadas…), poucas, porém grandes lideranças do mundo todo acenam para a construção de novas utopias revisitadas, e uma delas é a construção de uma sociedade inclusiva, onde não se tenha a pretensão de acabar com o capitalismo -é verdade, e aqui é a maior crítica feita pelas esquerdas ao PT -, mas que possa tentar  assegurar cada vez mais as mesmas condições a todos e todas, independente de sua cor de pele, classe social, gênero, sexo, religião, origem…
É esta promessa de vida nova (que renasce em cada crise, que parece reavivar a chama da esperança no viver melhor!) que comove, que mobiliza corações e mentes, inclusive deste homem , este escriba que, velho em idade cronológica, não abandona o sonho de um futuro mais humanizado para os homens e mulheres, onde se ensine a Ser e a Viver junto desde o infantil até o fim dos dias, como garantia para a verdadeira civilização que merece ser defendida. Ou seja, sem perder  os direitos individuais, longe do peso excessivo do coletivismo, possamos criar laços de pertença  e de solidariedade que nos possibilitem viver em Comunhão com o próximo, mesmo se de modo provisório, repactuando constantemente novas propostas inclusivas. 

No mais, é o tédio, o fastio, o desencanto do mundo,“é tempo de estio” onde se fica esperando encher “o mealheiro vazio” (Chico César). Nascido e criado e desejando permanecer muito tempo ainda neste maravilhoso Nordeste brasileiro, carrego comigo uma tendência quase infantil à esperança.Talvez porque, como Albert Camus, eu acredite numa imorredoura esperança, pois “com tanto sol memória, como pude acreditar no desespero”. E, hoje, 11 de março de 2021, em plena pandemia e sob o pandemônio de um governo que não ama a humanidade, que não tem o povo como foco de sua administração, que atordoa seu próprio eleitorado com sucessivas desmentidos das inverdades que semeia, mais do que nunca ressurge, com força evigor renovados, o velho Lula, enfim, anulados os processos injustamente conduzidos e tramados pelo suspeitíssimo herói da moralidade pública, defenestrado pela grande mídia, o homem que fala ao coração das pessoas, que sabe fazer o discurso de circunstância para melhor prender a atenção de quem lhe escuta, eis que ele, Lula, retoma seu lugar na cena política brasileira e mundial e volta a tocar o tambor da esperança num futuro próximo  para a reconstrução do Brasil, com utopias acionadas, eis o tédio e o desencanto do mundo que se afastam ante o som do tambor da esperança.

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