Se nos primórdios da sua existência era não apenas singular, mas único, o Livro logo iria se popularizar, graças à alfabetização implementada tanto pelo Protestantismo quanto pela própria modernização das sociedades com a escolarização das massas, o que possibilitaria o surgimento de um mercado editorial, como nos mostram os folhetins e depois a impressão em série do Livro que, hoje, é comemorado com dia oficial no calendário e celebrado em feiras, festas e bienais.
Dado como moribundo nos fins do século XX, quando lhe apregoaram a morte diante do surgimento da Internet, o livro provou ser capaz de, não apenas restabelecer-se, mas adaptar-se com elevada perspicácia ao mundo das novas tecnologias e provou que continua fiel aos seus princípios básicos, mesmo que lhe mudem as formas de apresentação ao público leitor: volume impresso, ou digital, em e-books, podendo ser lido de uma forma ou de outra, sem que seu conteúdo seja prejudicado. Ou seja, o livro continua vencendo barreiras e se aproximando ainda mais de leitores e leitoras que não passam sem sua existência por ser fonte de conhecimento, de saber e de entretenimento. Em suma, lê-se cada vez mais, sobretudo depois da pandemia.
A eficácia da sua leitura tem levado governantes de vários matizes ideológicos ora a combatê-lo, como inimigo público a ser perseguido e até mesmo dizimado, ora, por simpatia, a colocá-lo na lista preferencial das compras oficiais e oferecê-lo às bibliotecas públicas para melhor assegurar que as propostas nele contidas sejam mais rapidamente assimiladas pelo maior número de leitores. O mesmo livro, assim, num mesmo país, pode ser considerado nocivo pelo Governo e elogiado pela Oposição. O certo é que, tantos os autoritários de direita quanto os bem intencionados à esquerda, concordam, num ponto: o livro pode “fazer a cabeça” das pessoas e é preciso acompanhar seu percurso, tentando, ou afastá-lo do público, para evitar a contaminação das ideias que ele comporta, ou levá-lo às massas, para maior adesão aos princípios nele contidos.
É que, pela carga de afetividade que se desprende da leitura, quem lê é convocado a sair da sua zona de conforto e comover-se com o drama do Outro, acabando por descobrir que, sob a aparência da diversidade, o que existe é uma só e mesma humanidade com sonhos, dores, frustrações e afetos que são bem parecidos com sua própria vida. E talvez possa, ao fim da leitura, acreditar piamente que sua própria vida possa ser mudada, ao ver que outros modos de ser e viver são possíveis.
É por saber desta potência de um Livro que lhe são dedicados seminários e colóquios, tertúlias e saraus nas Academias, e festejos em Bienais e feiras literárias. E que, apesar dos maus agouros em que sempre lhe envolveram, o Livro resiste e avança, cada vez mais, num mundo em que as massas se escolarizam e que, cada vez mais, leem, até mesmo com avidez, os mais diferentes conteúdos disponibilizados, não importa em qual formato. Enfim, o Livro, impávido, apesar dos tumultos, é este senhor que, mais do que nunca, tem sido o amigo inseparável de milhões de pessoas, não importa a idade, o gênero, a religião, a língua, a cor da pele…
publicado originalmente em https://oliveiradimas.blogspot.com/2024/04/o-livro-de-inimigo-publico-amigo.html