….et près du Brésil…e perto do Brasil, ISBN 978-99949-78-34-2, publicado pela Editora Airesse, na cidade de Port Louis, em Ilha Maurício, em 2023, é o título da obra de autoria de Ramanujam Sooriamoorthy, com uma primeira versão já publicada em três línguas (francês, português e espanhol) na revista brasileira http://www.cadernosdosertao.wordpress.com, número 2, volumes 1 e 2, em dezembro 2021, com o título O FUTEBOL: este jogo bonito que nos ensina a ser e a viver. Nas 80 páginas deste livro, como bom filósofo que é, já na introdução intitulada Brasil, o autor apresenta sua interpretação eivada de erudição filosófica de um mundo contemporâneo em desconcerto, em que a falta de sentido no viver e o cinismo que nos leva a ver tudo de modo fragmentado, podem ser exemplarmente demonstrados com a ausência nos gramados de um craque da estatura do Neymar que, enquanto a seleção brasileira era derrotada em campo, ele pescava muito longe dali (p.32). Após esta argumentação bem fundamentada no pensamento contemporâneo sobre o jogo e sobre a própria vida, com 16 páginas, o autor apresenta o poema-chave ….et près du Brésil, (um fragmento do poema El Grito, do poeta uruguaio Emilio Oribe) em 10 cantos com versos alexandrinos construídos com preciosismo na língua francesa padrão que o autor maneja com maestria, para mostrar, poeticamente, como o futebol, de um mero jogo, trazido pelos colonizadores, graças à engenhosidade de um povo que, para fugir da violência dos jogadores europeus, inventaria os dribles, e que assim permite ao brasileiro fugir aos golpes ou até mesmo para não revidá-los, como mostra o Canto I (p.34)...cujos versos finais são «Car au Brésil, ce jeu pour l’esclave un moyen/ Fut de prouver au maître son infériorité/Face à ceux qu’il traitait vingt fois pis que des chiens/ Maintenant encore, il exprime de la liberté/ Le désir chez le pauvre qui rêve de grandeur/ Pour lui, pour son pays, et aussi de sṕlendeur». Apropriado e reelaborado pelos brasileiros, o futebol brasileiro ganharia o status de uma verdadeira arte, cujos exemplos serão pinçados dentre os jogadores da Copa do Mundo de 1958, como nestes versos que finalizam o Canto II dedicado a Garrincha: «Le dribble au Brésil fut d’ abord une technique/ pour fuir tout contact avec un adversaire/capable de réactions affreusement sataniques/ Mais grâce à Garrincha et à la populaire/ ferveur qu’il suscita, le dribble tout un art/ devint, du Brésil le rayonnant étendard»(p.35). No canto III, o poeta presta homenagem ao jogador Leônidas «Celui qui, un jour, la bicyclette inventa, / “diamant noir” surnommé par ses amis dont l’ aide/ Inutile était pour qu’il se, lui-même, succède/ Est aussi celui qui créa le foot samba» (p.36). No Canto IV, o homenageado será Didi, exaltado tanto como jogador que como ser humano de invejável polidez, uma vez que «Où qu’il fût, Didi offrait toujours une image/ De majesté ou encore de sainteté/ L’ apanage en tout âge des authentiques sages» (p.37). No Canto V, o autor continua sua homenagem a Didi quem, de fato, configura o futebol arte e assim oferece uma contribuição para criar a identidade brasileira: «O jogo bonito, expŕession que l’on doit/ à Didi, n’a de sens qu’au Brésil, cette terre/ Où bien mieux qu’une religion, un mystère/ Est le foot qui unit,comme de la main les doigts» (p.38). No Canto VI, os versos homenageiam Edson Arantes do Nascimento, «le nom/ D’un éternel jeune homme roi du foot, devenu / Par la seule vertu de son talent reconnu/ De tout l’univers qui ne sait que son surnom»(p. 39). No Canto VII, longe da cegueira da paixão, é com um olhar amoroso e clarividente que o poeta destaca na formação da cultura brasileira não apenas o futebol, mas também a genialidade do arquiteto Oscar Niemeyer : «[ qu’…] il créa le miracle Brasília de rien/ Brasília, synonyme de l’énigme Niemeyer./ Dans le silence toujours plongée malgré les bruits/ De la ville; même de jour, recouverte de nuit» (p.40) O Canto VIII retorna ao futebol brasileiro como determinante da formação da identidade brasileira : «La grandeur du Brésil, c’est d’avoir du foot fait/ un jeu presque au sens de l’illustre Mallarmé/ Éblouissant, laissant tout le monde stupéfait. Car le foot s’y écrit, aucunement programmé: / constamment différent, toujours imprévisible,/ Au point que le joueur y est comme invisible»(p.42). No Canto IX, a voz poética, mesmo ao exaltar a beleza do futebol brasileiro, reconhece a ação nefasta do chamado Mercado que tudo torna mercadoria e assim desfigura o jogo bonito: «Que le football soit en vérité écriture/ Et non rien que spectacle, comme on tend à le croire/ À écouter ceux qui le voudraient faire accroire,/ C’est le Brésil qui en signifie l’aventure./ Mais les temps ont changé et une caricature/ Du football brésilien, évanouie la mémoire/ De son passé glorieux sous quelque funèbre moire, / S’est substituée à son ancienne vêture » (p.41). E, para encerrar com chave de ouro seu elogio ao Brasil, em seu Canto X, o poeta retoma a distinção entre o mero jogo com a bola e o futebol brasileiro: «C’est surtout au Brésil que le foot écriture/ Se révèle en ce sens que, tout comme au ballet, / À peine exécuté, chaque mouvement de mollet / Du joueur ou de la danseuse sitôt se rature./ Tout se passe comme si dans sa course, sa torture / Tout pas ne pouvait que demeurer incomplet: un battement dans l’ air, rien qu’un feu follet/ Car tout pas ici est sa propre sépulture/Ainsi fonctionne l’ écrit, ainsi le foot se joue / Chacun traçant à chaque pas vers la mort la voie/ La mort que porte la vie toute la vie joue à joue./ Le football met en scène de la mort le convoi/La beauté de la vie qui, chaque instant, se meurt,/ Comme une balle de but dans d’un stade la clameur»(p.43).
À guisa de posfácio, Ramanujam Sooriamoorthy suplementa seus textos, a introdução em prosa e o poema em versos alexandrinos, com um texto filosófico sobre a Paixão intitulado Une passion honteuse? Une trop humaine faculté no qual, com erudição, de modo pertinente e relevante, distingue as diversas manifestações deste afeto, concluindo que, no caso do futebol e do futebol brasileiro inventado por jogadores excepcionais como aqueles que trouxeram a Copa do Mundo de 1958 e outros como Ronaldo, Ronaldinho, Neymar e Amarildo, para o Brasil, este jogo bonito, com passos sublimes, superaria as limitações da mera paixão que poderia reduzir à animalidade o ser humano e assim dotaria o brasileiro, tanto individual quanto coletivamente, da autoestima necessária para cimentar afetivamente a nacionalidade brasileira Ele próprio um apaixonado pelo Futebol-arte (por isso sua admiração pelo jogo bonito criado pelos brasileiros), Ramanujam Sooriamoorthy não deixa de fazer justiça a outros jogadores não brasileiros, dentre os quais Diego Maradona, amado pelos brasileiros (P.45-76).
Se o elogio é mesmo bênção do louvor e do bem dizer, como nos lembra Merleau-Ponty, podemos considerar esta obra poético-filosófica com um elogio que este autor Ramanujam Sooriamoorthy faz à genialidade dos jogadores brasileiros, ao Brasil e à cultura brasileira. É com um invejável estofo intelectual que o poeta-filósofo tece sua escritura, demonstrando que sabe transitar tanto pela prosa quanto pela poesia, quase com reverência à língua francesa standard que ele maneja com elegância e propriedade, já demonstrada em outras obras conhecidas do público francófono como Bruynes, les haiküs de Ramanujam, com prefácio de Jean-Luc Nancy, editado por L’ Harmattan, Paris, em 2020; Des vers à soi (Poésie) (2018); Le Français interdit, Études de la Langue française en terres non francophones, publicado na revista brasileira AntipodeS,v.1,n.1, Salvador, Bahia.
Para quem se interessa pelo Brasil e pela construção da nacionalidade de um país a partir do futebol, este esporte tornado uma arte pela perícia de exímios jogadores que se elevaram graças ao talento com que souberam criar técnicas que os fariam reconhecidos, admirados e amados por um povo que, por eles e por seus feitos nos gramados, se sentiria resgatado do jugo colonial, ….et près du Brésil…e perto do Brasil…, ISBN 978-99949-78-34-2, publicado pela Editora Airesse, na cidade de Port Louis, em Ilha Maurício, em 2023, se torna uma leitura necessária e gratificante.
Humberto Luiz Lima de Oliveira é escritor, professor universitário aposentado, Chevalier dans l’Ordre des Palmes académiques, e editor da revista digital bilingue www.cadernosdosertao.wordpress.com