Um grande buquê de gerânios, de Samir Marzouki

A Nicole Chabah que me contou uma história destas

Cheguei ao povoado ao anoitecer. Dando seu último suspiro, o velho e ofegante ônibus parou numa nuvem de poeira. Fumaça subia do velho motor.

Quando eu desci, fui logo abalada pelo morno torpor que subia da pracinha onde estávamos. Parecia que suas paredes suavam grossas gotas, tanto o calor era sufocante. Minha mala estava alinhada na calçada entre um monte inimaginável de cestos transbordantes de cachos de tâmaras e de galinhas amarradas que pareciam expirar. Assim como eu, ela estava limpa, mas quase morrendo.

Um menininho remelento, num francês cantado e aproximativo, ofereceu-se para ajudar. Eu me apressei em aceitar. Ele me levou até um hotelzinho. Ao penetrar no hall, tomada pela náusea, percebi que as latrinas, mal fechadas, avizinhavam-se do balcão. O garotinho sabia tudo sobre minha conta, assim como o recepcionista. Era um belo velhote sorridente que se pavoneava sob uma horrível pintura rachada. À sua esquerda, um pequeno tapete de alfa, acessório de prece, estava pendurado. Dispensei o garoto que se apressou em aceitar minha gorjeta e levou minha mala para um armário sórdido enfeitado com um número de dois algarismos. A placa no qual estava inscrito o segundo mantinha-se à porta apenas por um único prego e se pendurava, lamentavelmente, esperando a vinda do primeiro dedo. Não resisti ao desejo de fazê-la girar. Foi este o único ato que, nesta grande jornada de chegada, deu-me um pouco de alegria.

No dia seguinte, fui recebida pelo diretor. Que estava em chinelos e vez em quando estendia as mãos para um braseiro de terra onde brasas crepitavam. Ele me explicou o que eu devia fazer. Eu herdava uma turma de oitavo ano e deveria, dado o nível dos alunos, contentar-me em lhes ensinar o programa do nono. Nada de perder tempo! Em sua grande sabedoria, ele tinha tomado esta decisão. Ele se fez ainda mais amável ao fim da entrevista, realçando os encantos do cuscuz e da água da fonte do recanto, pretensamente poluída, mas em realidade responsável por curas miraculosas. Levou-me, sempre em chinelos, para um pátio ensolarado onde se agitavam crianças que mais facilmente poderiam ser tomadas por pastores que por estudantes. Alguns olhos brilharam, mas os demais ficaram desesperadamente apagados. Fiquei aterrorizada ao observar que vários deles traziam, embora nascentes, bigodes já viris. Meu classificador pesava sob o braço: nele eu havia enfiado todos os manuais de francês do escola ensino fundamental, não sabendo, antecipadamente, o que deveria ensinar. Na capital, eu havia provocado a hilaridade do funcionário do Ministério da Educação ao perguntar, educadamente, qual turma me seria destinada.

Uma bofetada ecoou, repercutida pelas paredes do pátio. Um aluno não tinha se enfileirado e o diretor fazia questão de mostrar autoridade. Quando entramos, logo depois dos estudantes, eles se levantaram, rostos e punhos fechados. Depois, o diretor me abandonou na jaula dos leões.

Não tive como me impedir de mandar abrir as janelas, tanto a sala fedia a suor e a mofo. Pedi isto, com uma voz demasiado autoritária para ser normal, para um aluno da primeira fila, aquele que estava mais bem vestido e cuja aparência me parecia a menos perigosa. Percebi que seus colegas o fitavam com um misto de desprezo e até mesmo de ódio no olhar. Tremi da cabeça aos pés. Era a primeira vez que eu estava diante de uma turma.

Após uma série de balbuciamentos que provocaram alguns sorrisos de canto de boca que fiz ar de não ter reparado, comecei um discurso no mais puro estilo da Terceira República. Falei, com um entusiasmo cada vez maior, da abertura de horizontes, da aprendizagem da vida, de cooperação desinteressada. Ao fim de alguns minutos, compreendi que ninguém me escutava e quase desabei em pranto. Alguns alunos, tentado esconder-se, murmuravam em árabe e imediatamente detestei esta língua que eu não compreendia. Ao acaso, peguei um deles. Aquele cujo olhar afrontoso me enquadrava desde o início da aula. Mandei que ele repetisse o que eu tinha acabado de dizer e no momento em que começava a saborear meu triunfo, percebi que exceto a dita bofetada eu não sabia quais punições poderiam ser aplicadas nesse país. Rapidamente, uma outra ideia me ocorreu: e se este rapaz sequer tivesse compreendido minha pergunta? Uma tal ideia me atormentou. Voltei a perguntar ao que tinha aberto a janela e logo tive certeza. Formulei minha pergunta de outra forma, usei uma língua tosca, utilizei mímica para me comunicar. Nada funcionou. Os mesmos rostos impassíveis me apreendiam com suas pupilas profundas. Alguns estavam hilários, outros, chateados. Foi então que me lembrei da descrição do guia tuaregue na Atlântida, de Pierre Benoît e de um curso de linguística que eu tinha feito em Paris, entre uma coisa e outra, onde o professor falou da função de comunicação assegurada pela língua.

Não me lembro de como se passou o fim desta primeira hora, mas não esqueço que após a sirene, eu estava novamente na mesa do diretor. Ele me recebeu amavelmente, me deu uns tapinhas nos ombros, lembrou-se de suas angústias de iniciante, mas não abriu mão de suas decisões: quer eles compreendessem, ou não, não tinha importância, acabariam por se habituar; além do mais, era preciso relativizar tudo isso – ele enfatizava a palavra relativizar que ele parecia saborear; seriam burros, perguntava-se, que se poderia fazer com burros? Dando tapinhas no meu ombro, mandou-me de volta ao hotel: uma boa noite de sono me faria bem.

Não lhes contarei em detalhes como me saí. Precisei de muita coragem e um tanto mais de inconsciência. Mil vezes me impacientei e me peguei me censurando interiormente. Atrozes foram os primeiros dias, detestáveis, depois, suportáveis mais adiante, e adoráveis – ah, sim!- adoráveis, ao fim do ano. Eu tinha recomeçado do zero, quase do abecedário e refiz rapidamente o caminho inverso. É inacreditável como estes pastorezinhos compreendem rápido quando a gente lhes explica. Eu, que quis ir embora desde a primeira aula, fiquei até o fim, até a conclusão do ensino fundamental. Eu os recebia às sete da manhã, antes das aulas. Chegavam quando a neve começava a cair, agasalhados nos seus albornozes ou suas djellabas. Eles mesmos acendiam o fogo, limpavam o quadro, varriam a sala.

Todos foram aprovados, sem exceção, ainda tenho lágrimas nos olhos. Embora a atitude deles não tivesse mudado muito, e nossa conversa nunca tivesse outro tema que o programa, eles se interessavam pelas aulas e não me lançavam mais olhares libidinosos.

Nos encontramos para uma última aula, depois da proclamação dos resultados. Eu devia ir embora no dia seguinte. Meu noivo tinha se estabelecido na Síria e me queria ao seu lado. Cheguei atrasada, pois precisei ir comprar minha passagem no ônibus. Eles estavam já na sala, estranhamente silenciosos. Minha mesa transbordava de gerânios, o maior buquê que pode ter existido.

Mais tarde, fui me despedir do diretor. O coitado estava consternado. Ele me explicou que arruaceiros haviam arrancado, planta após planta, todo seu canteiro de gerânios.

Tradução por Humberto de Oliveira

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